segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

A CRIAÇÃO DOS NOVE MUNDOS DE YGGDRASIL



”No início dos tempos, o grande caos rugia.
Não havia mar, nem água, nem areia,
Nenhuma terra abaixo, nenhum céu acima,
Somente um vão profundo em que nada existia.”
                      Völuspa (Palavras do Altíssimo) – Poetic Edda
                                                                palavras de Sybila, a vidente


Eis que Sybila, a vidente, relata a história da criacão dos Nove Mundos que formam o Universo e profetiza seu eminente final, o Ragnarök:
“Nada era como hoje. No princípio só haviam trevas. Não havia nada, somente um grande vazio. Não existia a terra, nem os elevados céus com estrelas, lua ou o sol. Não havia mundo algum.  Só o nada...”

Passou-se muito, muito tempo sem que nada mudasse, sem que nada existisse. Passaram-se muitas e muitas eras. Então, finalmente, tudo começou a mudar. Aos poucos foram surgindo alguns sinais. Aos poucos, alguma coisa começou a existir. No início não se podia definir ao certo o que estava vindo. Muito tempo mais se passou neste nascimento gradativo e vagaroso. Até que afinal podia-se ver um grande e profundo abismo de gelo deserto. Mais tarde, quando tudo seria nomeado, a ele seria dado o nome de Ginungagap.

Este abismo permaneceria deserto e imutável ainda por muito tempo, eras e eras. Tudo acontecia muito devagar naqueles tempos remotos. Então o abismo começou a esquentar. Aos poucos, pequenas mudanças aconteceram. O tempo deu espaço a muitas surpresas. Fogo brotou do fundo do abismo. Conforme as eras se consumiam, grandes labaredas ardentes foram se formando. Então no vazio primordial, sem forma, vida e cor, surgiu a primeira região distinta, situada ao sul e regida pelo fogo cósmico: o primeiro mundo se formou, o Mundo do Fogo, ao qual se deu o nome de Muspelheim e viria a ser habitado pelos gigantes do fogo.

Tudo estava mudando. Ainda devagar, mas continuava mudando. Na escuridão e névoas do abismo, formou-se junto ao gelo, o segundo mundo, ao norte, o Mundo da Névoa Perpétua. Um mundo escuro, mergulhado nas trevas eternas e envolto de névoas espessas, dominado pelo frio e pelo vento. A este reino deu-se o nome de Nifelheim. Estes dois primeiros mundos antagônicos foram se aproximando um do outro e após milênios se encontraram no meio de Ginungagap.

Já Muspelheim, era banhado pela luz e seu fogo eterno. Mais tarde, ele veio a ser guardado pelo gigante do fogo Surt com sua espada flamejante. Fagulhas das chamas derreteram algum gelo no fundo do abismo. Por este movimento, as forças primevas criaram uma fricção entre o gelo e o fogo que impregnou Ginungagap com a centelha geradora de vida.

O tempo passava lentamente e enquanto ele se consumia entre uma era e outra, surgiu a fonte Hvergrmir entre estes dois mundos. Um grande caldeirão borbulhante de cujas águas nasceram doze rios, chamados Elivagar, e flutuavam sobre Ginungagap.  Ao precipitarem-se no abismo, os rios soltaram gigantescos blocos de gelo e grandes nuvens de vapor subiram. O fogo fecundava o Universo e ele continuava a mudar.

De um destes grandes blocos de gelo, aos poucos, liberou-se a primeira criatura viva daqueles mundos remotos: Audhumla, uma colossal e majestosa vaca. Necessitando de alimento, esta criatura de tamanho descomunal, descobre que o gelo é salgado e começa a lamber o sal. Assim surge do gelo, esculpido pela língua de Audhumla outra criatura primitiva, Ymir, um gigante hermafrodita. Este gigante era a personificação do oceano congelado e o ancestral de todos os Hrim, Thurs e Rimethurs, gigantes do gelo.  Audhumla permite que ele se alimente do leite que escorria de suas nove tetas.

Movida pela fome, a gigantesca vaca segue lambendo o sal do gelo e assim, liberou-se do gelo, outro ser sobrenatural, o primeiro com feições humanas: Buri que também se alimentou das tetas de Audhumla e mais tarde gerou seu filho Bor.
Quando os gigantes do gelo, descendentes de Ymir, perceberam a presença dos Deuses Buri e Bor, partiram para luta. Desta luta inicia-se a rivalidade entre Deuses e gigantes, pois representavam forças opostas, da ordem e do caos e não havia possibilidade de convívio pacífico. Esta guerra durou muito tempo, sem que houvesse vencedor ou perdedor.
Neste ínterim, Bor casa com a giganta Bestla (filha do gigante Bolthorn) e geram, três filhos: Odin (espírito), Vili (vontade) e Vé (sagrado), que formam a Tríade Divina.

Enquanto isto Ymir adormeceu e deitado na geleira começou a suar com o calor que subia de Muspelheim. Durante seu primeiro sono, de seu suor debaixo dos braços brotaram os primeiros seres humanos. Tratava-se de um casal: Ask, um homem e Embla, uma mulher. Já as pernas deste gigante hermafrodita, copularam entre si, de onde nasceu um gigante de seis cabeças, Thrudgelmir, que por sua vez gerou Bergelmir, progenitor de todos os Gigantes do Gelo.

Buri e seus três poderosos filhos, Odin, Vili e Vé, se unem na luta contra os gigantes e matam o temível e sagaz Ymir. Seu sangue jorrou e provocou um dilúvio no qual pereceram todos os gigantes, menos Bergelmir que fugiu num barco com sua mulher. Navegaram até outra região que se havia formando, Jötunheim, o Mundo dos Gigantes. Lá geraram a descendência dos gigantes do gelo que continuou sua eterna disputa e rivalidade com os Deuses.

Odin, Vili e Vé, continuaram a modificar o Universo. Do corpo de Ymir formaram outra grande parte do mundo. Da sua carne criaram Midgard, o Jardim do Meio, e o colocaram no centro do espaço vazio. O sangue foi transformado em oceano. Seus ossos foram usados para criar as montanhas. Dos seus dentes foram moldadas as rochas. Dos cabelos, as árvores e toda vegetação. Seu crâneo foi usado para criar o firmamento, salpicando-o com seu cérebro que deu origem às nuvens. Então os Deuses contemplaram e admiraram sua obra ficando, por hora, satisfeitos.

O Universo nunca para de mudar e os Deuses sentiram que era necessário criar mais algumas melhorias. Para que o céu se mantivesse acima de tudo, colocaram quatro anões segurando-o e marcando os pontos cardeais. Assim foram nomeados: Nordhri (norte), Sudhri (sul), Austri (leste) e Vestri (oeste). Para iluminar o Universo, transformaram faíscas de Muspelheim em Sol e Lua, por fim, as estrelas.

O Sol foi colocado em uma carruagem dourada com dois cavalos: Arvakr (“o madrugador”) e Alsvin (“o veloz”). Era conduzida pela filha do gigante Mundilfari, Sol (sol). A Lua foi colocada numa carruagem prateada, puxada por um único cavalo: Skin-faxi (“o ligeiro”). Esta carruagem prata era dirigida por Mani (lua), também filho de Mundilfari. Mais uma carruagem foi colocada nos céus, desta vez preta, puxada pelo cavalo Hrim-faxi (“crina de gelo”) e enquanto corria, espalhava gotas de orvalho. Para conduzir esta carruagem foi escolhida Nott (noite), filha do gigante Norvi. Outra carruagem ainda foi providenciada, esta era branca e puxada pelo cavalo Skin-faxi (“crina brilhante”) que distribuía seus raios luminosos por todos recantos do Universo. A carruagem branca era dirigida por Dag (dia), filho de Norvi.

Do abismo Ginungagap nasce um enorme freixo, Yggdrasil, a Árvore da Vida, que sustentará os Nove Mundos.

Caminhando nas margens do mar, a Tríade Divina encontra Ask e Embla. Ao vê-los decidem dar-lhes a vida. Odin tira de Yggdrassil um pedaço de madeira e faz dele um cajado. Com ele toca o casal de humanos, tornando-os seres vivos. Tendo Odin lhes dado o sopro da vida, seu irmão Vé lhes dá os sentidos e Vili a inteligência. Feito isso, os Deuses, dão a este casal o Jardim do Meio, Midgard.

Odin e seus irmãos, dirigiram se ao ponto mais alto de Yggdrasil, e aí nos últimos galhos, deram início ao reino de Asgard, a partir de então, morada dos deuses Aesir. Este reino era o mais bonito e fértil do Universo, abençoado com uma infinidade de ouro e pedras preciosas. Também, seus habitantes, os Deuses Aesir, se destacavam em beleza, força e talento. Odin, o mais velho e poderoso dos deuses a habitar Asgard, sempre seria o maior soberano deste reino e do Universo, o Alfhather, pai de tudo e de todos. Deste mundo os deuses governavam o Universo e o único acesso a este reino seria a ponte de arco-íris, Bifrost, que ligando-o a Midgard.

Para finalizar sua obra, a Tríade Divina achou que era bom criar também, a Manhã e a Tarde, o Meio-dia e a Meia-noite, o Crepúsculo e a Alvorada, as estações do ano, Verão e o Inverno, e entre estes, a Primavera e o Outono.

Colocaram as carruagens em movimento. Quando a carruagem dourada com Dag despontava no Horizonte Leste, acompanhada da carruagem branca, chegava a Alvorada, que dava sequência à Manhã. Quando ela estava ao meio do Universo, carregando o Sol que o iluminava de cima e formava a menor sombra do dia, era o Meio-dia que dava sequência à Tarde. Ao baixar no Horizonte Oeste, inicia-se o Crepúsculo. Nesta hora, a carruagem prateada despontava no Leste carregando Mani e acompanhada carruagem preta com Nott, chegava a Noite trazendo a escuridão. Quando Mani chegava à metade do firmamento era Meia-noite.

Enquanto isto, dos restos mortais de Ymir, começaram a sair grande quantidade de minúsculos seres rastejantes e deles foram criados os Anões e os Elfos Escuros. Para os Anões, foi criado o Mundo Nivadellir, que foi colocado logo abaixo de Midgard. Os Anões Escuros, seres ladinos e traiçoeiros, foram habitar um mundo ainda abaixo, chamado de Svartalheim. Dali, estes seres soturnos não podiam sair, sob pena de se transformarem em pedra. Os Anões de Nivadellir assumiram a tarefa de extrair os metais e as pedras preciosas das profundezas de Midgard, para fabricar as armas e as jóias dos Deuses.
Assim, segundo os Deuses Aesir, foi criado o Universo. Porém Deuses mais antigos, os Vanir que regiam a natureza, não concordariam com esta versão. A Grande Mãe, Erda (a Terra) teria sido a primeira expressão de vida no Universo. Surgida de uma explosão do vazio, ela teria criado todo Universo fecundada por uma centelha de vida que vagava no Cosmos desde a grande explosão. Ela criou os oceanos e ali colocou um regente e lhe deu o nome de Njörd. Com o passar do tempo, ela geraria vários outros regentes, um para cada manifestação da Natureza por ela criada. Na Idade do Ferro e Bronze, durante as migrações, teriam vindo, do Leste, os Asiáticos. Estes seres eram guerreiros muito fortes, bem armados e travaram uma guerra com os Deuses Vanir, os regentes da Natureza, a fim de estabelecer uma supremacia. Como não houve vencedores, os asiáticos tornaram-se os Deuses Aesir. Apesar de os Vanir e Aesir terem se unido, os Aesir, Áses, ou Arianos, estabeleceram seu reino na copa de Yggdrasil, nos seus galhos mais altos e o chamaram de Ásgard. Eles estavam muito acostumados ao calor e à luminosidade do sol e ali acharam seu habitat ideal. Os Vanir ou Vanires continuaram na parte mais frondosa e cheia de verde da copa.

Mais tarde Frey, o filho de Njörd, ganharia de presente Älfenheim, ao cair seu primeiro dente de leite. Com seus habitantes muito claros, brilhantes e benevolentes, Älfenheim seria a moradia dos Elfos Claros, guardiães da Natureza, que ajudavam os Deuses e humanos a preservá-la.

Também foi criado um mundo para os mortos nas profundezas do Universo. Este reino passou a se chamar Helheim ou Hel, e Hela ou Hel, filha de Loki, viria a ser a Deusa e guardiã deste Mundo.

Assim foram criados os Nove Mundos de Iggdrasil. Mas outros seres ainda se juntaram a eles. Acima de Ásgard empoleirou-se no último galho, uma águia chamada Hrälsveg, em cuja a testa, entre os olhos, viveu um falcão. O bater das asas desta enorme águia, passou a provocar o vento. Enquanto isto, Nidhogg, um dragão, roe a raiz mais profunda da árvore eixo do mundo, na qual vivia. No tronco da frondosa árvore corria Ratatosk, um esquilo que se dedicava a levar recados e fofocas entre Hrälsveg e Nidhog provocando inimizade e disputa entre estes dois seres que habitavam as extremidades do Universo.
Nove mundos se desenvolveram. Cada qual com seu papel, sua importância no destino do Universo. Erda e Odin, os criaram para se completarem e alcançar a ordem que deveria reinar sobre o caos.

Mas os seres são imprevisíveis e os deuses perdem o controle sobre eles. Com o tempo já não conseguem entrar em acordo, já não conseguem viver em harmonia. Então virá o caos e reinará sobre a ordem. Com o caos chega o final dos tempos antigos: o Ragnarök. Quase todos os seres sucumbirão. Tudo mudará novamente.

“O sol fica escuro, a terra afunda no mar,
Estrelas brilhantes somem da abóboda celeste.
O vento e o fogo entrelaçam-se enraivecidos
Até que as chamas gigantes alcançam o céu (...)”

“Irmãos vão lutar e matar uns aos outros
E os filhos das irmãs trairão seus parentes.
Em todo o mundo o sofrimento dominará.
Uma era de espadas e escudos quebrados seguirá
Antes de o mundo ruir, nenhum homem outro poupará...”
                               “Völuspá” (Palavras do Altíssimo) -  Poetic Edda

OBS: Ragnarök, O Crepúsculo dos Deuses, O Apocalipse, é erroneamente traduzido na nossa cultura como o fim de tudo, quando na verdade seu significado é “Revelação”, o descortinar de um novo tempo.

2 comentários:

  1. Fascinante! Estou apaixonado pelos textos! Eles são como uma magia que nos envolve rapidamente... Tenho a impressão de voltar a ser criança! Gostei!

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  2. Fascinante! Estou apaixonado pelos textos! Eles são como uma magia que nos envolve rapidamente... Tenho a impressão de voltar a ser criança! Gostei!

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